Por ser gay:
- Fui zoado por familiares, vizinhos e colegas de escola na
infância e adolescência, antes mesmo de eu saber da minha sexualidade;
- Tudo que eu fazia e dizia era "estranho", "
coisa de maluco", mesmo que fosse exatamente igual ao que todo mundo
fazia/dizia - isso se chama deslocamento: quando você não quer falar
abertamente do que te incomoda na pessoa, você fica procurando as mínimas
diferenças pra zoar. E se não achar nenhuma, inventa;
- Professoras na escola deram poder aos meus colegas para me
vigiarem e perseguirem, com impunidade, até que meti a mão na cara de um e fui
parar na direção. Só aí pararam (um pouco) de me perseguir;
- Fui cantado por namorado de parenta, namorado de colega,
marido de amiga e colega de escola, os mesmos que me zoavam e até me
hostilizavam abertamente em público, mas queriam experimentar em particular. Alguns eu comi mesmo, sem remorsos; quem estava traindo não era eu, afinal.
- Tive que abandonar estágio e interromper o processo de
obtenção do diploma de técnico, porque não aguentava a pressão diária de
colegas e chefes;
- Fui preterido em vaga de emprego e trocado por alguém
muito menos qualificado, mas " normal" - limitaram-se a me dizer
que "eu não seria feliz ali";
- Fui espancado em banheiro de escola, na rua, em porta de
bar;
- Fui perseguido na rua, inclusive pela polícia;
- Sofri tentativa de estupro, mais de uma vez, porque "gay deve gostar de tomar";
- Sofri pressão emocional e psicológica de parentes e
colegas que queriam que eu sumisse;
- Fui humilhado pelo meu próprio pai, que me disse que eu
"morreria de AIDS, sozinho, antes dos 30, na sarjeta, porque esse era o
destino de todos os pervertidos da minha laia". Ele iria me pedir desculpas cerca de 20 anos mais tarde.
- Fui expulso de casa, o que interrompeu meus planos de
fazer faculdade e me forçou a procurar emprego. Mesmo voltando pra casa um ano
depois, tinha que me sustentar e isso adiou minha vida acadêmica e crescimento
profissional em quase dez anos;
- Fui preterido em concorrência para promoção no trabalho,
apesar de ser mais qualificado, em favor de um "macho" que saía com
colegas casadas;
- Minha pesquisa de mestrado foi vista com preconceito, como
"defesa de gueto" e demorei a ser levado a sério no meio acadêmico;
- Por fim, uma série de fatores externos à minha vontade
interrompeu minha carreira acadêmica algumas vezes e causou atrasos que me
levaram a só conseguir entrar para o doutorado mais de vinte anos após
ter começado a faculdade que já tinha começado atrasada em dez anos. Ou seja,
trinta anos de atraso que não podem ser recuperados. Claro que a homofobia não
foi o único fator, mas sem dúvida está na raiz de tudo. Os problemas com
preconceito tendem a se acumular ao longo do tempo, tanto na vida quanto no
coração, ocasionando problemas de baixa auto-estima, depressão e outros, que
dificultam ainda mais o progresso.
E isso é apenas um resumo do resumo, sem muitos exemplos,
pegando leve. Não vou expor os detalhes da perseguição diária, dos apelidos,
das musiquinhas humilhantes, do jornal da escola pedindo "morte aos
gays", das tentativas de exorcismo por fanáticos religiosos, das revistas
em blitz apenas por andar sozinho na rua à noite, saindo da boate, nem da
perseguição policial por estar andando com travestis e drag queens a caminho do
trabalho na boate. Não estou postando isso aqui para pedir sua compaixão, mas
para demonstrar um ponto:
Essa é só a minha história. Há outras muito, muito piores.
Há histórias de pessoas que não sobreviveram. Há histórias de pessoas que
ficaram cegas, paraplégicas, queimadas, amputadas, com dano cerebral
permanente, só porque são LGBT. Eu sobrevivi, estou saudável, trabalhando, estudando, crescendo. Mesmo à beira dos 50 anos e com grandes atrasos, estou realizando meus sonhos.
Se você não sofreu alguma dessas coisas especificamente por
ser heterossexual, repita comigo:
Heterofobia não existe.
"Orgulho hétero" é só uma falácia de falsa
simetria; não tem que haver celebração de orgulho de quem não sofre perseguição.